quarta-feira, 6 de junho de 2007

A Escola, os estudantes e a memória


A Escola vive tempos difíceis. Bolonhizada, estrangulada, pauperizada e a caminho de ser totalmente privatizada (na sua gestão e financiamento, nos seus espaços, nas escolhas sobre o que se ensina ou investiga, etc.). As respostas e (ainda mais) as propostas têm tardado: as debilidades do associativismo estudantil (e não só) têm resultado, nos últimos anos, em acções circunstanciais, sem perspectiva e quase sempre com pouca participação. Dizer que vivemos tempos de amorfismo não chega. Nas escolhas tem faltado análise crítica, abertura, energia e coragem – nas reflexões e nas acções, mas também (talvez ainda mais) nas formas de fazer. Mas para a aceitação do presente e a naturalização da cascata de desgraçadas mudanças que o percorre, contribui ainda um outro factor (decorrente de todos os outros): falta memória.


Esta é a primeira dificuldade. A condição de estudante é transitória e cada vez mais entendida como um luxo que deve ser abreviado. É sabido que longe vão os tempos da “massificação do ensino” – nunca verdadeiramente atingida no ensino superior, aliás – e que hoje o discurso dos “choques tecnológicos” pouco mais é que palavras obrigatórias em tempo de globalização e de domínio das tecnologias da informação.


Será, então, inevitável começar sempre de novo quando olhamos para as dificuldades do presente e queremos intervir sobre ele? Na resposta entram vários nãos. Cada um deles pode e deve ser uma resposta aos que acham sempre que não possível fazer nada (mesmo quando se repetem anos a fio em Associações de Estudantes ou órgãos de gestão) e uma reflexão útil para quem quer construir alternativas: temos que acreditar que é possível contrariar a burocracia e o alheamento; não podemos tomar como adquirido que os “calendários de contestação” têm que ser apenas um apontamento na agenda de (poucos e eternos) protagonistas da “luta”; podemos experimentar abrir as participações e as reflexões, numa intervenção rica de temas e formas, aberta ao mundo e à vida, em que sabemos incluir outros (de dentro e de fora da Escola). E assim saber que nada está decido à partida e conseguir olhar para o que acontece, reconhecendo as adversidades e fazendo escolhas sobre elas, mas sobretudo sabendo que as “brechas” são sempre mais frequentes do que nos fazem crer – exemplos recentes ajudam-nos a pensar: a luta (anti-CPE) contra a proposta de total precarização dos jovens franceses, que levou milhões de pessoas às ruas e encerrou centenas de faculdades, obrigando Villepin e Sarkozy a recuarem; ou as greves e encerramentos de centenas de faculdades na Grécia no último ano, numa oposição enérgica à privatização do ensino. São exemplos de “vitória”, inseparáveis da participação alargada nas decisões e acções de protesto e de um olhar atento e inconformado perante a realidade. Algo para que temos de olhar, até porque as fronteiras já não ajudam a delimitar grandes diferenças nos ataques que são feitos ao ensino e a tudo o resto. Basta olhar para Bolonha (e para a forma como foi implementado) para confirmar isto mesmo.




Não nos pode espantar, pois, que hoje o “menu” que nos oferecem seja o do aumento das propinas, da privatização das Universidades – ou na versão light, de consumo mais diferido, a sua passagem a fundações… – ou dos cortes de mais de 10% na rubrica do Orçamento de Estado para o ensino superior. É um caminho longo, começado (pelo menos) no início da década de 90, quando o governo de Cavaco Silva impôs as propinas “apenas para melhorar a qualidade do ensino”. Hoje sabemos qual é o programa… Mas também na altura muitos milhares de estudantes sentiram a ameaça e lutaram durante anos contra esta lei de financiamento: boicotes ao pagamento, manifestações frequentes e muito numerosas, faculdades em agitação permanente. Infelizmente, não foi suficiente para travar o que agora é já impossível de esconder. O desafio é saber como ficou tão pouco desse processo – tão pouco que nos obrigou a aceitar sem qualquer discussão uma implementação apressada e não discutida de Bolonha e ainda nos fez assistir (e participar) na vergonhosa “divisão em Entrecampos” (quando uma manifestação nacional de estudantes se dividiu em dois, porque, no fundo, quem a organizou não queria nada dela tirando os seus próprios objectivos pouco colectivos). É certo que ainda experimentámos a mobilização e oposição a alguns aumentos posteriores das propinas. Mas a verdade é que se foram sempre sobrepondo os protagonismos à aprendizagem colectiva e à continuidade das reflexões e acções. É por isso que tanto vazio se acumula num presente tão cheio de desafios.


A memória é, portanto, bastante diferente da tradição, da saudade ou da nostalgia. É um instrumento que ajuda a compreender o presente, a saber que existem possibilidades e a construí-las, a excluir erros e a entrever o futuro.


É por tudo isto que é urgente construir e alargar alternativas à desistência e à irresponsabilidade. Felizmente, nos últimos tempos elas têm aparecido – um sinal que demonstra que é possível tentar a abertura, a aprendizagem, a clareza e a determinação. É claro que, com todas as dificuldades, estas são coisas para hoje e não para um “depois”, que é sempre tanto “mais oportuno” quanto mais distante. A não ser que queiramos viver derrotados toda a vida. E isso nós não queremos.

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