quarta-feira, 6 de junho de 2007

O eterno Desclarecido


Os esclarecimentos começam há um ano atrás. É então início de Primavera e as cabeças começam a borbulhar com tanta incerteza sobre os seus futuros (já dizia Eliot: “Abril é o mês mais cruel de todos os meses”).
Ouve-se por aí que «é urgente», não podemos fugir dele nem dos seus efeitos, não podemos atrasar ou adiar o inevitável Processo de Bolonha.


Como urgência há muita[1], mas trabalho feito nem por isso, é a hora ideal para as palavras encantadas que seduzem facilmente: modernizar, desburocratizar, competir, mobilidade, empregabilidade. Belo poema que termina com tão profundo verso: «aprender a pensar, a aprender, a ensinar». As propinas (o assunto aborrecido com que os estudantes não se calam) não enquadram neste poema, mas perante a insistência fica só o «tentaremos fazer com que as propinas se mantenham»[2].


Passada a crueldade de Abril, temos que decidir e escrever os novos currículos adaptados ao próspero “destino”. Perdão… permitam a correcção: “eles” – os conselhos Directivo e Científico – têm que decidir e fazer. (Isto porque não existe, apenas durante toda a implementação, o absolutamente imprescindível Pedagógico)
Este é o momento de se poder abrandar o pânico. Este processo está a ocorrer de uma forma ilegal e os estudantes decidem (em Reunião Geral de Alunos, claro está) que é possível fazer as coisas melhor e mais devagar, levando a ilegalidade à Justiça. Tal não acontece. Simplesmente porque quem tem em simultâneo um advogado e a responsabilidade de seguir adiante (a Associação de Estudantes) prefere aceitar amigavelmente e com todo o prazer a “bolonhada” ignorando tudo o que foi decidido em RGA. (Democracia? Isso era antes. Agora é mais o «salve-se quem puder» e «para mim até é bom».)


Já no Outono (o Verão? Não conta. Não há pessoas na Escola, as praias estão cheias de gente. Serve-se de Bolonha quem chega no fim. Este fantástico produto que agora as faculdades oferecem (será que oferecem ou vendem?) aparece em todos os jornais, em forma de anúncio. Os que já cá estão, demoram na inscrição, por causa da transição. Como não há tempo para tudo, mas a pressa não abandona “o barco”, ainda não se sabe muito bem como vai ser com estes. Sabe-se é que há um local próprio para se falar deste assunto: a simpaticamente minúscula sala no Departamento de Química. Qualquer questão sobre Bolonha, fora dessa sala, parece conversa de autistas ou de “crianças” descontentes.



Daqui até ao próximo Abril, a “bomba” do corte orçamental de 15% para o Ensino Superior parece não atingir mais do que alguns autistas e tudo segue normalmente, sem qualquer preocupação.
No renascer de uma nova Primavera (as Primaveras são cada vez mais esbatidas) umas regras que tentam satisfazer “cada caso” vêm iluminar as vidas incertas de há um ano atrás. As regras iluminadas (ou atrapalhadas?) que requerem dois novos esclarecimentos (a juventude está ler tão pouco que não percebe as coisas nem à primeira nem à segunda e ainda precisa de uma terceira para talvez entender o que está escrito) pretendem acalmar novamente o nervoso borbulhar da incerteza. É só fazer umas contas de somar e umas correspondências e retirar o resultado (nada que uma pessoa de 10 anos não faça).
E novamente, a obsessão pelas propinas: «Gostaríamos que a propina se mantivesse. Mas com estes cortes, como espera o Governo que as faculdades tenham dinheiro?» [3]


Mais um Verão quente se aproxima (longe da praia, para alguns). Mas para evitar a provocação de que as decisões são tomadas de Escola vazia, aproveita-se a época de exames para decidir que não há motivo para alarme: os que já cá estão há algum tempo (e que são demasiado refilões e ainda se podem lembrar de agitar a “malta mais nova”) não pagam mais que a inflação; os outros, já sabem o que lhes espera… não serão surpresas os 3000€ que andam no “mercado” universitário.


O próximo Outono chega rápido. Mas ainda há dias para ousar abrir os olhos, as bocas, os braços. Porque a vida não pára (na praia, só aparentemente) e o movimento tem que ser crescente para contrariar a construção de muros. Dos muros que vão impedindo uns e outros de partilhar os nossos mundos e as nossas vidas.


[1]«Bolonha é para implementar imediatamente!», por Prof. Santos Pereira, presidente do C. Científico

[2] por Prof. Pedro Leão, presidente do C. Directivo

[3] por Prof. Luísa Louro, actual presidente do C. Pedagógico

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