segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Os resultados do Sócrates

“É a isto que eu chamo resultados: com este Governo, aumentou o número de alunos [no Secundário], reduziu o número de professores e poupámos nos gastos com o ensino”. A frase é do Primeiro-ministro, José Sócrates. Foi proferida no passado dia 10 de Setembro, durante a assinatura dos primeiros contratos de “autonomia”, celebrados entre 22 agrupamentos escolares e o Ministério da Educação.


“Poupar” no que é essencial – um caminho que não é nenhuma novidade: a desresponsabilização do Estado e as “virtudes” dos cortes orçamentais em áreas fundamentais das vidas das pessoas (educação, saúde, segurança social, etc.) há muito que vem sendo preparado e praticado por sucessivos Governos. O que há de novo é a brutalidade do anúncio. Seco, pragmático, mais inevitável do que alguma vez pareceu. E acompanhado de um discurso “tecnológico”, a dar ares de moderno, que mistura o auto-elogio em doses obscenas – um único caminho, sem hesitações ou diálogo, como está na moda, porque “já se perdeu muito tempo”...



É por isso que Sócrates misturou, na mesma cerimónia, “autonomia”, “novas tecnologias” e o necessário elogio da estafadíssima Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues (mulher “decidida”, também ela, pouco faladora e autora de sucessivas gaffes – o inferno de professores e alunos). A modernidade é um elemento de propaganda para andar para trás: é o definhar do Estado social, num pais onde ele verdadeiramente nunca existiu.


Convém acrescentar que esta suposta “autonomia” não é autonomia nenhuma. Tal como no Ensino Superior, o que se prepara é o fim da gestão das instituições de ensino pela própria comunidade escolar, progressivamente substituídos por agentes exteriores, mais “racionais” – empresas, gestores privados, etc. O argumento do “incentivo aos projectos educativos de cada escola”, “uma prova de confiança nas pessoas” ou o “apelo à ligação entre a Escola e as forças vivas na sociedade”, não cola, por exemplo, com o desmantelamento da rede de ensino básico, (sobretudo) no interior do país – e com a consequente ruptura entre a escola e a estruturação do desenvolvimento local e de projectos educativos capazes de dinamizar os espaços que influenciam. O único projecto é a “poupança” e posterior venda “a saldos” do que é de todos. A única “autonomia” é aquela que transfere o comando do ensino para o mercado.



São estes os resultados do Sócrates. Cortar o investimento público onde mais custa à vida de todos. No Secundário, fecham-se escolas e enfrentam-se os professores: menos Escola, mas mais exames e mais computadores “para quem tem boas notas” (“patrocínio” do Bill Gates). No Superior, faz-se à pressa a maior transformação das últimas décadas (RJIES), contra todos e sem falar com ninguém: era urgente que as Universidades fossem fundações (quase-privadas, hoje; privadas, um dia) e que os estudantes sejam empurrados para empréstimos para pagar os seus cursos durante a década seguinte (quando forem obedientes e flexíveis precários); o aumento das propinas – obviamente, a galopar rapidamente para o “custo real” dos cursos – fica para depois, mas não tardará.


A unidade que se sente nestes sinais não é uma qualquer coincidência. É um projecto para as nossas vidas, mascarado de caminho inevitável e inadiável (curiosamente, no ISA foi também sempre assim que os seus responsáveis justificaram as suas decisões mais importantes...). Precisamos de respostas e propostas para desafiar este plano. Com todas as dificuldades, antes de mais, não queremos desistir de reflectir sobre o que se está a passar. E queremos fazê-lo com cada vez mais gente. Porque é inadiável.


imagem: (Paulo Jorge Magalhães/DN)

2 comentários:

Lourenz disse...

“apelo à ligação entre a Escola e as forças vivas na sociedade”

forças vivas da sociedade = entidades empresariais

O ser humano vive para fabricar dinheiro.

O dinheiro que um ser humano fabrica deve ser gasto no máximo de coisas possíveis mesmo que não lhes dê qualquer tipo de uso ou que a sua utilização seja plenamente escusada para que mais seres humanos possam fabricar algum dinheiro

Se o dinheiro fabricado for mais que o gasto, não faz mal, põe-se num banco. Lá a riqueza individual transforma-se num número que o ser humano pode então ostentar enquanto fabrica mais uma fracção desse dinheiro (graças à solidariedade fraterna dos donos do banco)

Quando um ser humano morre e para todos os efeitos deixa de existir enquanto indivíduo vivo neste mundo, o dinheiro que ele terá fabricado conta como propriedade e passa, sob a forma de um número, para os seus descendentes.

Os descendentes de quem não percebeu as regras do jogo logo o princípio e não fabricaram dinheiro em princípio perdem.



Como cada ser humano deve usar a vida (esse fenómeno que nos permite pensar, sentir, interagir com o que nos rodeia de forma activa incluindo uns com os outros através da comunicação que nos permite trocar ideias e partilhar informação) para fabricar dinheiro, o objectivo máximo de qualquer sociedade é o crescimento económico - ou no nosso caso mais a luta contra o défice.

A arte e a cultura devem ser preservadas enquanto gerarem receita. Um gajo que toque guitarra, e mesmo que toque bem e se expresse e comova alguém, é bom que o faça de acordo com o que o máximo de pessoal com dinheiro gosta, porque senão ele e a sua música não têm qualquer tipo de utilidade. Isto porque se um ser humano gravar um disco este deve à partida gerar mais dinheiro do que o gasto na sua produção. Caso contrário, what's the fucking point?

[ aqui a internet e o software informático confundem-me... ]

Se um ser humano quiser exercer o útil (?) trabalho de informar outros seres humanos de modo a mantê-los em contacto com o que vai acontecendo na realidade a que não têm acesso pelo menos directa e facilmente pode fazê-lo mas saiba que a "verdade" é discutível (e.g. há quem defenda que a verdade é mentira, como o Italo Calvino ou a CIA) e às vezes contá-la não é, de todo, a melhor forma de fabricar dinheiro.

[ a internet continua a confundir-me um bocadinho sabem? Temos de tratar disso um dia destes... ]

As pessoas devem ser ensinadas até certo ponto, porque para aprofundar o conhecimento é necessário gastar algum dinheiro que entretanto se tenha fabricado ou herdado, porque o objectivo é usar esse conhecimento para que as forças vivas da sociedade (haviam de ser as mortas não?) possam ganhar dinheiro com isso. Obviamente que o conhecimento não é de nem para todos, como nunca foi; embora haja cientistas que ainda acreditam que isso é capaz de ser boa ideia. Só parvos que queiram encontrar respostas a perguntas que NÃO PRECISAM DE DAR ORIGEM A FABRICAÇÂO DE DINHEIRO é que se podiam lembrar disso!

Perguntas??

O que somos? De que somos feitos?
De onde viemos? Porque é que as coisas acontecem como acontecem e não de outra forma qualquer???

Que desperdício de tempo! Isso é o que a gente faz nos tempos Livres se tivermos paciência - é que como a maioria do nosso tempo está Preso no objectivo de fabricar dinheiro, é comum o ser humano querer descansar e não pensar em nada quando pode fazer o que verdadeiramente quer...

Não é assim?

Tudo isto é tão óbvio que às vezes (só às vezes) parece tão...

... estúpido ?

Lourenz disse...

PS - Além da internet, aquilo que eu ainda não percebi são os pequenos detalhes que seguem:

- Donde é que aparece o dinheiro que se fabrica?
- O que é o dinheiro?
- Porquê dinheiro e não limas? Ou chocolate? Não, chocolate não, senão empobrecíamos com gosto. Mas CD's! Porque não fabricar CD's? E amigos? Se o nosso objectivo fosse arranjar amigos? Ou então beber!! Ganha quem beber mais! É estúpido? Não acho. É mais intuitivo e o pessoal divertia-se mais. Não? Então vá, seja o dinheiro, mas olhem que não fiquei plenamente convencido...

Pronto! Tirando isso [e a merda da internet] percebo as regras e acho que já aprendi a jogar isto

Bolsa de valores: aqui vou eu. Sim, porque EU não jogo para perder.

Isso seria estúpido